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terça-feira, 6 de maio de 2014

Rotas expõem diversidade da Caravana Agroecológica do Ceará

Karol Dias, Ricardo Wagner, Alexandre Greco* e Ademir Ligório** 
Itapipoca | CE 05/05/2014 

 “E assim já ninguém chora mais ninguém tira o pão de ninguém chão onde pisava o boi é feijão e arroz, capim já não convém”. Zé Pinto Durante os dias 28, 29 e 30 de abril agricultores e agricultoras cearenses estiveram reunidos na Caravana Agroecológica e Cultural do Ceará para debater sobre o impacto dos grandes projetos – como as eólicas, especulação imobiliária, dentre outros - no Território Vales do Curu e Aracatiaçu, e para animar a temática da Agroecologia. As cores tomaram conta de Itapipoca, cidade sede do evento, de onde os participantes saíram na manhã do dia 29 rumo às rotas Nazaré Flor, Manoel Veríssimo, Mazinha e Povos Tremembé: um dia repleto de conhecimento das experiências agroecológicas e das lutas que foram e são travadas no Território. 

 Rota Nazaré Flor 
As/os participantes da Rota Nazaré Flor visitaram o Assentamento Maceió, no litoral de Itapipoca, e conheceram a história de luta e resistência na defesa do direito legítimo à terra, contada por suas lideranças locais. Numa roda de diálogo estas/es explicaram que a primeira luta foi contra as injustas condições de trabalho impostas pelos patrões e “donos” da terra. A desapropriação da área foi conquistada na década de 1980, entretanto, desde o início dos anos 2000, os trabalhadores/as lutam contra a especulação imobiliária e mais recentemente contra a tentativa da instalação de torres para gerar energia eólica, que ameaçam sua permanência e sobrevivência no local. “Eu costumo ‘brincar’ que a terra é nossa mãe e nosso pai é o mar, se a gente perde um dos dois, a gente fica órfão de um ou de outro”, esclarece Graça Ana. O encerramento desse dia de visita foi à sombra de árvores com apresentações musicais e teatrais de jovens e crianças assentadas que participavam, em simultâneo a Rota, de atividades de educação ambiental realizadas pelo projeto Florestação. 

Rota Manoel Veríssimo 
Sob um céu nublado, a rota Manoel Veríssimo partiu cedinho para o município de Trairi. Tivemos a oportunidade de conhecer a associação de produtores de algas de Flecheiras e Guajirú – APAFG, que nos contou toda a trajetória de luta e permanência na terra, que desde a década de 1970 sofre com a especulação imobiliária e que agora enfrenta novas ameaças através dos parques eólicos. “Enquanto a gente não se reconhecer no que é nosso, a gente abre espaço para os outros fazerem o que quiser”. Seu Edvan – pescador artesanal e alginocultor. A visita teve a colaboração da Rosinha (Terramar) que de forma bem dinâmica nos contou a história do lugar e os impactos que sofre, interligando com outras microrregiões. Seu Edvan e dona Martinha, pescadores artesanais e pessoas com bastante conhecimento da realidade local, apontaram que os impactos que a pesca predatória e a destruição dos bancos de algas têm afetado tanto o ecossistema quanto a economia local. A associação, em parceria com organizações sociais, tem discutido e promovido ações que envolvem a comunidade, incluindo crianças e jovens sobre a importância de se permanecer no lugar, de se reconhecer parte do meio ambiente. Hoje, a comunidade beneficia as algas utilizadas em alimentos e cosméticos, além de artesanatos cuja matéria-prima é escamas de peixes e pedriscos. O debate prosseguiu com o tema das torres eólicas, apresentando dados alarmantes de salinização e aterramento do lençol freático da região num espaço curto de tempo: pouco mais de 3 anos após a instalação dos parques eólicos. Esse tipo de empreendimento tem se instalado na região sem apresentar de fato os impactos causados aos ecossistemas, ludibriando a população. Prosseguiu-se em caravana até o Assentamento Várzea do Mundaú, também em Trairi. A acolhida não poderia ser diferente: comida deliciosa preparada com produtos agroecológicos dos quintais produtivos. Pôde-se conhecer ainda a casa digital, que é administrada por jovens do assentamento, que ampliam os conhecimentos da comunidade em informática. Como previsto na rota, houve visita a uma fazenda de carcinicultura para observar os impactos negativos trazidos por essa prática, que tem destruído o rio Mundaú e o manguezal. O que não estava previsto e que trouxe uma profunda tristeza foi que, no exato momento da visita ao rio, soube-se da morte de um agricultor local, seu Valdenor, de 48 anos, casado, pai de 3 filhos, que era funcionário da fazenda e que foi vitimado pelos produtos químicos utilizados na produção desses camarões. A juventude local havia preparado uma apresentação cultural, mas diante dos acontecimentos, foi cancelada.  
Povo Tremembé 
A rota Maria Amélia, uma das rotas da Caravana Agroecológica e Cultural do Ceará, aconteceu no Território Vales do Curu e Aracatiaçu e se propôs a conhecer uma fração da realidade da aldeia Tremembé, vendo e ouvindo um pouco das ameaças que a aldeia sofre com a iminência dos grandes projetos e a resistência, através da cultura e da agroecologia. A rota contou com diversos agricultores, maioria oriunda de cidades do Sertão Central, como Senador Pompeu de Dôra. O grupo foi recebido pela índia Adriana, que sob a sombra da casa de farinha da aldeia falou das dificuldades da luta indígena, do preconceito com sua cultura, dos vizinhos brancos que proíbem a entrada de índios na igreja local. Adriana parecia conjugar tudo no passado, mas um passado longínquo, daqueles passados de livros de história onde o homem branco queria catequizar os índios e puniam, escravizavam e dizimavam as culturas que foram contra a conversão a um pensamento tão diferente do seu. Adriana falava de como era difícil o homem “branco” aceitar a diferença. O passado era um presente gritando no chocalho que acompanhava o Torém. “Lá dentro do nosso roçado planta roça e o algodão Vamos trabalhar é livre lá dentro do nosso roçado.” Na aldeia o grupo pôde conhecer o manguezal, viram animais e plantas nativas, alguns se juntaram aos índios e conseguiram caçar alguns caranguejos que, em breve, ajudariam a rechear ainda mais o almoço servido na escola indígena Brolhos da Terra, onde o grupo seria recebido por alunos e professores. Brolhos da Terra é uma das poucas escolas indígenas que existem no estado e percebe-se uma diferença na educação, que abrange além da grade convencional, algumas temáticas indígenas que reforçam o vínculo com a terra, a cultura e a ancestralidade que Adriana reitera: “acreditamos na força dos nossos ancestrais, nós os ouvimos e sentimos sua força espiritual”. O mar do peixe do almoço era a Baleia, uma curta faixa litorânea de beleza particular, deixou nos olhos sertanejos uma imensidão que fez Dôra, que nunca viu o mar, demorar alguns segundos para entender que ali, onde ela experimentaria o mar de algas e águas salgadas, que lambia os pés e puxava o corpo, era o mar que provia o peixe do índio e despertava o desejo dos empresários; que águas eram aquelas que despertavam tantos interesses? Talvez por isso Dôra se atirou no mar com roupa e tudo, e riu aquele riso solto de criança que descobre sabores. Soubemos, naquele momento, que viramos, durante algumas horas, índios Tremembé! E que a agroecologia esta além do manejo da terra, quem sabe além da produção orgânica, mas estava ali, na resistência, no pertencimento, na ancestralidade e naquela ponta de esperança salgada que vinha do mar. Ao fim do banho fomos todos, índios, sertanejos e brancos de volta pra casa, caladinhos, no início da noite, compartilhando o pau de arara, cientes que levamos e deixamos algo nessa troca de experiências e que é preciso reforçar a harmonia entre as diferenças. 

Rota Mazinha 
A rota Mazinha viveu a experiência de visitar três comunidades bem próximas e com realidades totalmente diferentes. A primeira parada foi na comunidade Raposa do Trilho, a 15 Km do município de Itapipoca, lugar marcado pela humildade de um povo sofrido e de um sorriso contagioso. Na comunidade existem 17 famílias morando todas em casa de taipa, sem banheiro e sem qualquer condição adequada de vida. Mas isso não impede de abrirem um sorriso contagiante para receber o grupo visitante, mesmo passando por diversas dificuldades durante todo o ano, como falta de água para consumo, falta de terra para plantarem. Dona Vanda, líder da comunidade, num tom de tristeza afirma: “essa terra não é nossa, e os donos estão querendo tomar de volta, não temos terra pra plantar, quando conseguimos algum pedaço com algum fazendeiro, ele cobra uma renda do que produzimos no roçado.” Após essa conversa e visita a algumas famílias, fomos convidados a caminhar pela caatinga em estreitas veredas até chegar a um dos maiores bens naturais da comunidade: tanques naturais de pedra com uma beleza exuberante que só a natureza é capaz de construir. Esses tanques naturais dão as mínimas e essenciais condições para a comunidade sobreviver, pois grande parte da água consumida pelas famílias é retirada desses tanques. Deixamos a comunidade refletindo que cuidar da terra, alimentar a saúde e cultivar o futuro poderia ser uma ferramenta para mudar aquela realidade. Seguindo a viagem, chegou-se à comunidade de Caldeirões II. Lá havia uma realidade diferente: casas mais estruturadas. Após um gostoso lanche oferecido pela família do seu Pessoa, visitou-se várias tecnologias sociais de convivência com o Semiárido, como: tanque de pedra, barreiro-trincheira, cisterna-enxurrada e um quintal com uma grande diversidade produtiva. Após essa experiência a visita seguiu até a comunidade de Lagoa do Juá, onde o povo acolheu com um cântico de boas-vindas. Na comunidade discutiu-se sobre o tema do III ENA, e a senhora Mazinha, com um sorriso no rosto, apresentou a força da mulher na construção agroecológica daquela comunidade e na luta para vencer os desafios existentes, sendo um deles a retirada de forma desordenada da areia do rio que corta a comunidade. Essa ação está gerando um grande problema ambiental, pois não é mais possível encontrar água de boa qualidade no rio. Seguindo pela a comunidade Lagoa do Juá até a casa de Mazinha, ela apresentou sua Cisterna-Calçadão com um quintal bem diversificado. Já no final da tarde, com o sol timidamente se escondendo por trás das serras, todos voltaram à cidade dos três climas como um aspecto de missão comprida e de novos conhecimentos vivenciados.
* Comunicadores Populares da ASA ** Técnico do Cetra 
(Texto publicado no site www.asabrasil.org.br)

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